Escrito por Dr. Caio Nery e Dra. Tania Szenfeld
A instabilidade da 2ª articulação metatarsofalângica é uma afecção que, apesar de sua freqüência e das importantes queixas dolorosas, funcionais e estéticas que produz, passa despercebida ou é menosprezada na maioria das avaliações ortopédicas de rotina.
Tipicamente, o quadro se inicia com dor plantar intensa, sob a cabeça do segundo metatársico, relacionada ao uso de calçados de saltos altos ou exercícios físicos que, de alguma forma, tenham ultrapassado o preparo físico ou a capacidade de suporte de carga do paciente. Mais da metade dos pacientes nesta fase apresenta sinais inflamatórios da segunda articulação metatarsofalângica o que nos faz imaginar um quadro artrítico agudo. Depois de alguns dias, cedem as manifestações dolorosas e surge o típico afastamento dos dedos – geralmente o segundo dedo se afasta do terceiro – quando o paciente está em pé.
Estudos recentes atribuem o quadro à lesão ou deterioração da “placa plantar”, estrutura fibrosa e firme, responsável pela manutenção do relacionamento funcional entre a base da falange proximal com a cabeça do metatársico em todos os raios. A placa plantar é uma estrutura trapezoidal constituída por camadas de fibras colágenas do tipo I orientadas longitudinal e transversalmente, que se insere firmemente na borda plantar da falange proximal e debilmente na região do colo do metatársico. Em sua face dorsal, a placa é revestida por fibrocartilagem e em sua face plantar, estabiliza o tendão flexor longo dos dedos que transita dentro de um túnel aí localizado.
Durante a ortostase, a marcha ou qualquer atividade desportiva, são as placas plantares que absorvem e dispersam as forças de compressão e tensão que incidem nas articulações metatarsofalângicas, permitindo a livre movimentação dos dedos mesmo sob condições de extrema demanda funcional. Em virtude disso, podem sofrer rupturas – agudas ou crônicas – sendo sua porção anterolateral a mais freqüentemente acometida.
No início, a instabilidade metatarsofalângica que manifesta em apenas um plano e os dedos se afastam entre si. Com o tempo, o agravamento da lesão determina a sub-luxação medial e dorsal da falange proximal sobre a cabeça metatársica o que gera a clássica deformidade do segundo dedo sobreposto ao hálux, deformidade conhecida como “crossover toe”.
Além da dor, da deformação progressiva e das calosidades que surgem nos pontos de maior atrito, importante sinal clínico é a “gaveta” metatarsofalângica, caracterizada pela sub-luxação dorsal da falange proximal sobre a cabeça metatársica quando se testa a estabilidade articular com manobras digitais.
Embora a etiologia desta lesão ainda seja motivo de controvérsia, é importante salientar o papel dos calçados de saltos altos e ponteiras triangulares, especialmente quando utilizados por longos períodos, como principal agente etiológico extrínseco. O segundo metatársico exageradamente longo é apontado como importante fator intrínseco na gênese desta deformidade.
A investigação diagnóstica deve incluir radiografias de ambos os pés obtidas em ortostase onde se avalia o alinhamento entre os eixos diafisários dos metatársicos e de suas respectivas falanges proximais. Normalmente, não há desvio entre estes dois eixos. Os desvios laterais leves podem ser tolerados até 15 graus desde que mantida a congruência articular. Qualquer desvio acompanhado de incongruência da articulação metatarsofalângica deve chamar a atenção para a ocorrência de instabilidade articular e para a possibilidade de lesão da placa plantar. A ultrassonografia e a ressonância magnética contribuem enormemente na confirmação diagnóstica auxiliando na mensuração, tipificação e classificação das lesões. Com o auxílio desta tecnologia, podemos colher informações adicionais acerca dos importantes estabilizadores estáticos e dinâmicos situados na vizinhança das placas plantares. Os achados mais corriqueiros na ressonância magnética são áreas de hiper-sinal (imagens ponderadas em T2) próximas à inserção da placa na falange proximal e que correspondem às zonas de ruptura, presença de líquido na articulação e deslocamento da bainha do tendão flexor longo do dedo.
Na fase aguda, o tratamento inicial é conservador com repouso, crioterapia e antiinflamatórios não hormonais. Pode ser necessária imobilização temporária para evitar a deformidade e reduzir a dor.
Após 3 ou 4 semanas, pode ser indicado o uso de palmilhas de descarga do 2º metatársico aplicadas a calçados de sola dura e convexa (plataforma). Os dedos centrais (2º, 3º e 4º) devem ser mantidos alinhados entre si através de esparadrapagem contensiva por 90 a 120 dias.
Na fase crônica, instaladas as deformidades, indica-se o tratamento cirúrgico. Ainda não existe consenso sobre a melhor técnica para o tratamento destas lesões e a busca segue no sentido de obter o alinhamento estável do dedo, mantendo-se a função articular o mais próximo da normalidade possível. Existe uma nítida tendência para o uso de técnicas mais sutis e refinadas para as deformidades iniciais (reparação primária ou transferências teciduais para as zonas de lesão) e de técnicas mais agressivas e mórbidas para as deformidades grosseiras e estruturadas (artrodeses e artroplastias de ressecção).
Por sua atualidade e importância, a lesão da placa plantar e a deformidade de sobreposição do segundo dedo – “crossover toe” – devem ser reconhecidas e valorizadas por todos que atuam no cuidado ortopédico de pacientes adultos em todas as sub-especialidades.