Tomografia Computadorizada

Escrito por Drª Eny Moreira Ruberti – Física

Desafio: Doses de radiação e qualidade de imagem

A Tomografia foi um marco na história da Medicina e desde a sua introdução, nos anos 70, proporcionou grande avanço na área da Radiologia, trazendo benefícios incontestáveis para o diagnostico médico.
Desde os primórdios, o avanço tecnológico dos equipamentos tomográficos proporcionou a melhoria na qualidade da imagem e a diminuição do tempo da varredura, porém as doses de radiação aumentaram drasticamente.
Nas últimas duas décadas, houve a popularização dessa prática causando um aumento significativo no número de exames, consequentemente surgiu a preocupação com o aumento expressivo das doses de radiação recebidas pela população(1, 2). Por terem sido os exames mais questionados pela população, tanto os exames tomográficos quanto os de cateterismo e angiografia, receberam atenção especial.
A comunidade científica iniciou estudos com o intuito de apresentar soluções que diminuíssem essas doses. Esse assunto, de grande interesse, também começou a ser divulgado na imprensa comum, principalmente nos Estados Unidos (EUA), onde havia grande preocupação por parte da população com a quantidade de exames radiológicos, suas respectivas doses de radiação e o potencial risco de indução de câncer.

Em meio a essa discussão, os órgãos colegiados se pronunciaram sobre esse assunto. O ACR (American College of Radiology – www.acr.org )(3), a IAEA (Internacional Atomic Energy Agency –www.iaea.org ) e a AAPM (American Association of Physicists in Medicine)(4) , entre outros, divulgaram vários estudos e relatórios mostrando que a comunidade cientifica já estava trabalhando com o objetivo de diminuir essas doses(4) . Relatórios mais recentes já apresentam as doses de radiação para todos os tipos de exames radiológicos efetuados nos diversos serviços de saúde, além dos dados oriundos das pesquisas com simuladores. Esses estudos foram baseados no princípio ALARA (as low as reasonably achievable – tão baixo quanto razoavelmente exequível). Segundo este princípio fundamental da proteção radiológica, as doses devem ser baixas sem que haja perda na qualidade da imagem (5). Nos últimos tempos, vem crescendo o número de pacientes que buscam saber como as doses de radiação se processam em seu corpo(2), bem como a fidedignidade dos dados publicados.

Os países europeus, o Reino Unido e os EUA(6-9) possuem programas que registram e acompanham o comportamento das doses de radiação dos exames radiológicos, sendo que, por meio da análise desses dados, os órgãos competentes fazem relatórios e propõe valores de dose de referência (mSv) que norteiam os programas de saúde pública. Isso possibilitou, nos últimos anos, uma diminuição das doses de radiação devido aos de programas de garantia da qualidade, bem como a utilização de tecnologias mais modernas. Porém sabe-se que ainda muito pode ser feito. No Brasil, esses controles não são feitos em âmbito nacional, mas apenas em alguns programas isolados. Recentemente foi estabelecida a Portaria 2898 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária(10) que considera a necessidade de se calcularem indicadores para o monitoramento dos resultados dos exames mamográficos, permitindo a padronização, ampliação e o acompanhamento das informações provenientes do rastreamento do câncer de mama no Brasil(10).

O crescimento da quantidade de exames de tomografia computadorizada, principalmente entre populações mais radiosensíveis, isto é, crianças, jovens e mulheres grávidas, fez com que os fabricantes lançassem equipamentos tomográficos dotados de ferramentas tecnológicas que diminuíssem as doses de radiação.

Foram lançados no mercado equipamentos mais modernos com os seguintes aprimoramentos:

1) A Corrente do tubo (mA) é ajustada por um sensor eletrônico que controla a variação desses valores. Esse sensor é um dispositivo chamado Controle Automático de Exposição (Automatic Exposure Control) cuja função é reconhecer a quantidade de radiação necessária para um determinado tipo de exame, bem como a atenuação do tecido, tamanho tanto paciente quanto do órgão a ser estudado.

2) A tensão do tubo é definida conforme a parte do corpo a vai ser irradiada, da mesma forma que a corrente do tubo é ajustada considerando-se também, o tipo de exame e tamanho do paciente.

3) A reconstrução iterativa da imagem, isto é, a combinação de vários métodos de reconstrução da imagem(11, 12) . Os métodos mais sofisticados de reconstrução, ou a combinação entre vários deles, produzem melhor qualidade da imagem sem a necessidade de outras aquisições, o que significa que o paciente receberá menos radiação.

Segundo estudos de Bruesewitz(13) e Lee(14), observou-se uma diminuição de 40% a 50% nos valores nas doses dos exames realizados em tomógrafos que possuíam AEC quando comparadas com as doses provenientes dos exames de equipamentos sem esse dispositivo. Essa diminuição é possível devido à capacidade de o sensor detectar todas as diferenças de atenuação nos tecidos irradiados. Dessa forma, se for reduzida a tensão (15) , mas mantido o valor do mAs, a dose de radiação será menor, porém, deve-se considerar os valores do ruído e da razão contraste-ruído (CNR), por ser um fator importante na medida da qualidade da imagem.

Tradicionalmente, a maioria dos exames tomográficos é realizada com tensão de 120 kVp. Estudos comprovam que a redução da dose pode chegar a 33% se o valor da tensão for diminuído de 120 kVp para 100 kVp e de até 65%(16, 17) , se a tensão for reduzida de 120 kVp para 80 kVp. Considere-se, porém que a redução da tensão causa maior atenuação do contraste injetado no paciente no momento do exame, isto ocorre, por ser a energia do fóton muito próxima aos valores da energia da camada k, aumentando assim a influência do efeito fotoelétrico que causa perda no contraste da imagem. Em suma, esse fator não deve ser desprezado, sob pena de haver perda na qualidade da imagem.

Conhecidos os valores da dose efetiva dos exames radiológicos, cujo valor é obtido considerando-se o tipo de radiação e o fator de radiosensibilidade de cada órgão, pode-se calcular o RRL (Relative Radiation Level) para se estimar o risco de indução de câncer. Nos EUA, é comum se combinem os procedimentos: caracterização das doses de radiação provenientes dos exames radiológicos com base na dose efetiva, a comparação dessas doses com aquelas provenientes de outras práticas que também utilizam radiação ionizante, e a associação destas doses aos riscos de indução de câncer . Outra forma, também muito utilizada, é a comparação da dose dos exames radiológicos com a dose efetiva anual decorrente da radiação natural de fundo (background). A tabela a seguir mostra as estimativas de dose efetiva para exames radiológicos. Para efeito de comparação, a exposição anual à radiação natural de fundo é de 3 mSv(18). Por exemplo, a dose efetiva média de um exame de tórax é 0,02 mSv, que é o equivalente a 0,67% da dose da radiação natural de fundo anual.

Exame radiológico

Doses efetiva (mSv)

Tórax (PA)

0.02

Tórax (lateral)

0.04

Tórax (PA e lateral)

0.06

Coluna lombar (AP)

0.7

Coluna lombar (lateral)

0.3

Abdome (AP)

0.7

CT crânio

2.0

CT abdome

10

CT (crânio e tórax)

11

Angiografia coronária

4.6–15.8

Mamografia

0.13

Assim, ressaltamos a importância do trabalho conjunto entre as equipes de médicos radiologistas, físicos, tecnólogos e enfermeiros a fim de se buscarem procedimentos que possam melhorar o processo de geração de imagem, priorizando dessa forma, a diminuição das doses de radiação sem perda de qualidade da imagem(6, 19) . Torna-se imprescindível, o treinamento da equipe técnica para que esteja habilitada a utilizar todos os recursos disponíveis no equipamento.

Concluímos que a tomografia é um exame de grande importância quando recomendado criteriosamente e realizado com técnicas e equipamentos modernos que privilegiem a diminuição das doses. Obviamente, quando aplicáveis, esses exames devem ser substituídos por procedimentos similares que não utilizam radiações ionizantes, como ultrassom e ressonância magnética.

Bibliografia consultada</em>

1. McCllough C BT, Herlihy V. Diagnostic Reference Levels From the ACR CT Accreditation Program. J Am Coll Radiol. 2011;8(11):795-803.
2. Berlin L. Informing Patients About Risks and Benefits of Radiology Examinations Utilizing Ionizing Radiation: A Legal and Moral Dilemma. Journal of the American College of Radiology : JACR. 2011;8(11):742-3.
3. Raman SP, Johnson PT, Deshmukh S, Mahesh M, Grant KL, Fishman EK. CT Dose Reduction Applications: Available Tools on the Latest Generation of CT Scanners. Journal of the American College of Radiology : JACR. 2013;10(1):37-41.
4. The Measurement, Report and Management of Radiation of CT. College Park – MD: AAPM – American Association of Physicist in Medicine. 2008.
5. Willis CE, Slovis TL. The ALARA Concept in Pediatric CR and DR: Dose Reduction in Pediatric Radiographic Exams—a White Paper Conference Executive Summary1. Radiology. 2005;234(2):343-4.
6. Kotre CJ. Statistical analysis of mammographic breast composition measurements: towards a quantitative measure of relative breast cancer risk. Br J Radiol. 2011;84(998):153-60.
7. Hauge IHR, Pedersen K, Sanderud A, Hofvind S, Olerud HM. Patient doses from screen-film and full-digtal mammography in population-based screening programme. Radiat Prot Dosimetry. 2011.
8. Mccullagh JB, Baldelli P, Phelan N. Clinical dose performance of full field digital mammography in a breast screening programme. Br J Radiol. 2011:83(2)1596.
9. Hendrick RE, Pisano ED, Averbukh A, Moran C, Berns EA, Yaffe MJ, et al. Comparison of Acquisition Parameters and Breast Dose in Digital Mammography and Screen-Film Mammography in the American College of Radiology Imaging Network Digital Mammographic Imaging Screening Trial. Am J Roentgenol. 2010;194(2):362-9
10. Programa Nacional de Qualidade em Mamografia (PNQM), Portaria 2898 de 13 de Novembro de 2013 da ANVISA (2013).
11. Martinsen ACT, Sæther HK, Hol PK, Olsen DR, Skaane P. Iterative reconstruction reduces abdominal CT dose. European Journal of Radiology. 2012;81(7):1483-7.
12. Desai G, Uppot R, Yu E, Kambadakone A, Sahani D. Impact of iterative reconstruction on image quality and radiation dose in multidetector CT of large body size adults. Eur Radiol. 2012 2012/08/01;22(8):1631-40.
13. Bruesewitz MR YL, Vrieze TJ. Smart mA – Automatic Exposure Control (AEC):Physics principles and practical hints. Anual meeting of the Radiological Society of North America. 2008.
14. Lee CH, Goo JM, Ye HJ, Ye S-J, Park CM, Chun EJ, et al. Radiation Dose Modulation Techniques in the Multidetector CT Era: From Basics to Practice. Radiographics. 2008;28(5):1451-9.
15. Yeh BM, Shepherd JA, Wang ZJ, Seong Teh H, Hartman RP, Prevrhal S. Dual-Energy and Low-kVp CT in the Abdomen. American Journal of Roentgenology. 2009 2009/07/01;193(1):47-54.
16. Gnannt R, Winklehner A, Eberli D, Knuth A, Frauenfelder T, Alkadhi H. Automated tube potential selection for standard chest and abdominal CT in follow-up patients with testicular cancer: comparison with fixed tube potential. Eur Radiol. 2012 2012/09/01;22(9):1937-45.
17. Paul J-F. Individually adapted coronary 64-slice CT angiography based on precontrast attenuation values, using different kVp and tube current settings: evaluation of image quality. Int J Cardiovasc Imaging. 2011 2011/12/01;27(1):53-9.
18. Stabin MG. Doses from Medical Radiation Sources. Health Physics Society. 2013;http://hps.org/ .
19. McCollough CH, Primak AN, Braun N, Kofler J, Yu L, Christner J. Strategies for Reducing Radiation Dose in CT. Radiologic clinics of North America. 2009;47(1):27-40.

 

Mais artigos